27 dezembro 2009

Elixir da longa-vida

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A quem interessaria o poder da eternidade?
Vivemos na sociedade do imediatismo e da transmutação de todos os valores (Nietzsche já previra isso), onde nos encontramos fadados a encontrar soluções a curto prazo, mas de longo alcance. Precisamos, quase sempre, de todas as respostas, mas nossos qustionamentos, esses sim, perdurarão por milhares de gerações que ainda estão por vir. Os acadêmicos seguem na filosofia da pergunta, creditando valor à intenção da busca, tornando a sociedade ordinária uma eterna insatisfeita com a sua atual condição, pois não supera o fato de que morreremos sem compreender pelo menos mais da metade dos fenômenos que nos atingem a cada segundo inspirado. Por isso a questão da imortalidade é tão sugerida: estaria na possibilidade de viver para sempre a chave para as nossas dúvidas existenciais? Ou talvez as mais pequeninas? Também somos feitos do pouco. Ao escolher a permanência de nossas vidas, abandonamos a possibilidade da memória. Preferiríamos a possibilidade do estar-sempre-aqui ou a certeza da imortalidade reconhecida através de nossos grandes feitos? Morrer é ultrapassar a barreira de tempo que nos engole em vida. Estar presente na música, na tinta fraca emoldurada em quadros, na poesia impressa ou na imagem digitalizada por nossos modernos computadores, nos aproxima de uma outra maneira de imortalidade: aquela que não nos faz mais parte, que não modifica mais nossos sentimentos nem cria nossos medos futuros. Somos para sempre, parte. Não mais apenas um, seguindo em vida, mas uma vida que segue, em muitos outros.





ilustração: carlos augusto pessoa de brum

22 dezembro 2009

14 dezembro 2009

Pela pele

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De minhas pétalas
Não mais sei;
Fundiram-se a todo o resto
De um alguém que não eu.
Nesta terra que seca e morre
Tenho medo de me tornar cega
Perder, pouco a pouco...
[Pior]
Na ventania certeira
Arrastar mãos e pés
E fixar-me de surpresa
Em ti, à frente
Que aparece em meio a outros.
Eles nada sabem
Ou talvez eu descubra, então
Agora, ao te ver assim,
[Sem parar]
Que meu coração reside
Na capacidade de tornar esta beleza
Que dói e semeia, em flor
Tudo o que há em mim.

10 dezembro 2009

Dezembro

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não que estivesse vulnerável
à tortura dos outros.
só precisava que
ao deixá-la,
também deixasse, ali,
um pouco de si
com ela.

04 dezembro 2009


No tom

Na síntese

Sinta
(e)
Sintonize-se.

17 novembro 2009

Pluma

vou indo a pé. muitas escalas e nenhuma certeza de chegada.
talvez eu acostume, com o tempo, que não há possibilidade de viver da
forma que planejamos. ou talvez eu descubra, numa dessas, que o ato de planejar
já é por si só, toda a nossa vida resumida em atos; a gente que vive
sem saber que sempre haverá o que fazer de si mesmo. eu pas(sei). mas o que
sei é pouco, ainda. vá por mim: não há melhor caminho a seguir do que
aquele que sempre nos faz voltar ao ponto de partida.

14 novembro 2009

Feira do Livro



Obrigada a todos que compareceram na sessão de autógrafos!

Eu e o Carlos estamos super satisfeitos com a nossa cria literária. Que venham os próximos! :)

10 novembro 2009

Nascido de parto normal

Devore mais livros você também.


03 novembro 2009

Sem açúcar, sem afeto

A essa altura do campeonato, sentar em um ônibus lotado perto de uma pessoa que carrega consigo um livro entitulado "Pare de sofrer" me faz parar de acreditar - nem que seja só por hoje, neste instante - que o Universo conspira a meu favor. Olho pra pessoa e praquele livro exalando uma ironia mórbida do Cão, perto de mim, e não posso deixar de perguntar, levianamente, aos céus de tantas cores: "desistir?"

Novamente, entra em jogo o talvez como a droga de uma constante ameaçadora. O tormento que está por vir começa a alojar-se em meus calcanhares, eu sinto, diminuindo a frequência de meus passos outrora tão apressados e cheios de si.
Encontro-me em estado alterado de coração.
Não pergunte. Emudeci.

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30 outubro 2009

Sessão de Autógrafos Corda bamba

SESSÃO DE AUTÓGRAFOS DO MEU LIVRO E DO CARLOS AUGUSTO PESSOA DE BRUM:

"PARA A CORDA BAMBA NÃO EXISTE PONTO FINAL"

DIA 14 DE NOVEMBRO - SÁBADO - 17:30 - PAVILHÃO CENTRAL DA FEIRA DO LIVRO



EXEMPLARES À VENDA NA LIVRARIA CULTURA, FEIRA DO LIVRO E DIRETAMENTE COMIGO!

23 outubro 2009

A la Pucha, Tchê!

Saiu hoje uma liiiiinda homenagem das gurias da marca A la Pucha! pra mim, confiram:

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"Uepa! Hoje nossa homenagem vai para uma menina muito querida pela marca. Esse xuxu aí em cima! "se com sua roupa a guria encasqueta, pucha pra cá e fica na beca" "guria elegante não fica sem saída pucha pra lá e vai mais colorida" Esses poeminhas fofos foram criados com exclusividade para a A La Pucha! pela Cíntia Perin, uma pequena grande escritora que desponta cada vez mais aqui no sul. A guria foi selecionada no ano passado para publicar seu conto "Avenida em russo" em um livro organizado por Charles Kiefer (renomado escritor do RS), o "104 que contam", pela editora Nova Prova. Sabe aquelas pessoas que parecem andar sempre acompanhadas de "exclamaçõezinhas" em cima da cabeça? Bueno, e dali saem muitos versos queridos, inusitados, cheios de graça, humor, profundidade e "contiúdo". Esse ano ela não podia parar, né! Dia 14/11, ela lança seu novo livro de contos, "Para A Corda Bamba Não Existe Ponto Final", às 17h30, no pavilhão central de autógrafos da 55a Feira do Livro de Porto Alegre. A publicação já está disponível na Livraria Cultura. Para quem quiser conferir o estilo da moça é so acessar o blog dela, que está sempre bem recheado e atualizado: http://euvoucorrendobuscaragloria.blogspot.com/ Visita lá e deixa uma "baforada" (comentário) Muito obrigada Cíntia querida, a A La Pucha! está muito orgulhosa de ti e se sente lisongeada pelos teus versos exclusivos! Sucesso pra nós sempre! Bjbjbj"

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Não deixem de acessar o site e o blog dessas gurias talentosíssimas e já escolham os seus modelitos, são de babar!

Blog: http://aalapucha.blogspot.com/

Site: http://www.alapucha.com.br/

17 outubro 2009

teoria

.entre os nossos nós
só encontramos
a nós mesmos.

15 outubro 2009

Não caio mais

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sempre opte pelo opcional.

29 setembro 2009

Em uma dose

amparada. restituída. confortada. apertada. acalorada. reconhecida. sutilmente beijada. atacada. fortalecida. grandiosa. maestria. gesticulada. EXTASIADA. estabelecida. apoiada. ouvida. falada. calada. amada. amada. amada. um dia.

26 setembro 2009

O Afogado

... Mas não é verdade que nunca tivesses suspeitado desta tarde e desta fome, não é verdade que por um momento sequer tivesses tentado fugir à tua trágica determinação, não é verdade que alguma vez tivesses sequer pensado numa possibilidade de salvação, sabias desde o começo da consistência ácida do que tecias, e no entanto persistias nela, como quem penetra num beco sem saída, caminhando pela estreita dimensão que sabias desde sempre, intransponível; sim, tu sabias deste momento a construir-se desde o começo, e não fizeste nenhuma tentativa de evitá-lo; agora é necessário que enfrentes, embora talvez não soubesses do depois deste momento que se faz agora e portanto não possas estar preparado para o próximo momento, mas deste sabes, tudo se encaminhou para ele, e já não podes fazer mais nada, á não ser enfrentá-lo; tens ainda o que convencionaste chamar força; tens ainda todas as partículas de tua determinação; tens ainda a tua integridade, embora saibas que ela pode te destruir, pois então toma dessa fibra que a si mesma se construiu em solidão sob teu olhar espantando e impassível, toma dessa fibra feita de algo tão denso quanto o ódio, toma do teu ódio, agora enfrenta."

Caio Fernando Abreu

14 setembro 2009

você vem e me diz acabou e eu fico aqui parada só pensando pensando e de tanto pensar eu senti aquela perda aquele vazio de que tanto eu falava que não podia acontecer mas você foi embora e me deixou enrolada naquela cama imensa e jogou meus lençóis todos no chão pra ver se eu ia mesmo embora de frio e aquilo pesou de uma forma que perdi meus colares cartões minhas drogas todas ficaram em você e sempre que eu pedia por favor pra parar isso voltava em mim e de novo e de novo e de novo até que não consegui mais fazer outra coisa que não pensar em nós dois e como você me fazia sentir esperada em todas as noites que demorei sem avisar e nunca chegava e aquele bafo que eu fingia esconder na manga de minhas roupas há dias não trocadas não me deixam mais negar que eu fiz de tudo pra não ter que enxergar isso e agora ai de mim trancada nessa existência errante disfarçando esse medo que corrói a minha pele e faz fraco o meu corpo sempre pensando como você me faz sentir uma falta imensa de mim mesma

12 setembro 2009

Combinado

- Tá, então faremos assim: vamos nos dividir em dois grupos e ir por caminhos diferentes. O primeiro que chegar lá, deixa uma marca pro outro que vier atrás, algo como estive aqui antes de você ou o que for. O importante é não se perder pelo caminho!
- Mas e se alguém do grupo desistir na metade?
- Você vai desistir?
- Eu disse alguém.
- Se não for você, não me importo. Segura na minha mão, você vem comigo.
- Mas e o resto das pessoas?
- Que resto? Está vendo mais alguém aqui conosco?

In

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Um dia acordou dentro de uma carcaça enorme e aparentava ser feito de musgo. Quando perguntaram é você que está aí? ele se deu conta de que ainda não havia posto os pés no chão.

Espaços

"isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
"
leminski


Me despeço de uma parte de mim. É tanto choro que cai do céu que é impossível apenas abster-se e seguir. Com os pés molhados, o corpo resfria a alma e arrepia. Confesso que não sei mais viver da mesma forma, aquele jeito rotulado, marca grande, explícita. Sou interior, sopro no peito, estalo dos dedos pra produzir qualquer som que saia de mim. Acordo cedo só pra ouvir os últimos momentos de solidão, e ali me instalo. Levo tudo: cigarros, chás, folhas de caderno e alguma dose de loucura. Talvez fosse diferente antes de olhar pra dentro, antes de saber que nem tudo é tão fácil de sentir e de compartilhar. Eu não era assim tão calada, sem uma imagem própria que se abate na luz do espelho. Aqui dentro ainda vive alguém que não entende o por quê. Continuo na fase inicial, aquela que não atravessa de sopetão qualquer caminho. Preferiria que meus cigarros durassem um pouco mais, que eu baforasse então, em fumaça opaca, a minha própria trajetória de vida.

Vou me servir de doses maiores, talvez duas já me ajudariam a entender tudo melhor.

18 agosto 2009

Epifania*

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"-Por algum motivo, eu permaneço acordado."



Pensou enquanto derramavam flores e lágrimas sobre o seu caixão.

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Epifania é uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do significado de algo.

04 agosto 2009

cintilante

"Chamar-se-ia Cíntia, um nome breve e doído, em í, i tônico, quase gritante, de que se exclama a primeira sílaba individualizante. (...) Cíntia, dentro das noites frias, neblinosas, correndo para o ninho (...), risonha sob o chapeuzinho de oleado, o impermeável tosquejando-lhe as formas, sem meias, os sapatinhos de salto alto molhados de chuva. Teria algo de desgarrado no seu todo, como essas criaturas que vêm, e não se sabe donde, e vão como aves de arribação, amando e fazendo-se amar, boêmias na aparência, exigentes no fundo, urnas de amor, mas capazes de maldade, um pouco de andorinha e de falcão. E Cíntia, o seu nome. (...) Que dispensam as palavras. Que não perguntam por quê nem insistem no amor que se distancia. Para quem a vida não é a expectativa dum momento pleno que nunca chega, mas a de todos os dias em sua plenitude. Que sai da informidade da multidão e volta para ela sem deixar vestígio, sumindo como um olhar sob a pálpebra. Cíntia!"

Mário Donato, em Presença de Anita.

03 agosto 2009

Homeopatia sinestésica

O barulho carrega consigo a nossa mocidade. Envelhecer requer doses maiores de silêncio.

21 julho 2009

Tudo ou nada

Tudo venta. Os dias passam. Seremos diferentes amanhã, não tenha pressa. Olhe para o céu, invente-me um poema. Me ame agora. Atiro no escuro. Coração.
Perdão antecipado, carona pra casa. Sou coroa, sabida. Invada minhas entranhas. Me doe o seu cheiro, seja flor. Sue minhas roupas. Esconda seus delírios. Levante suas cobertas, procure embaixo da cama. Tenha um plano em mente. Invente a nossa vida. Cale meu olhar. Leia em meu corpo. Assopre aquela melodia. Estamos sós. Prolongue-se mais. Passarei.
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Sou ventania.

17 julho 2009

13 julho 2009

Caio Fernando Abreu

"Eu estava me sentindo muito triste. Você pode dizer que isso tem sido freqüente demais, ou até um pouco (ou muito) chato. Mas, que se há de fazer, se eu estava mesmo muito triste? Tristeza-garoa, fininha, cortante, persistente, com alguns relâmpagos de catástrofe futura. Projeções: e amanhã, e depois? e trabalho, amor, moradia? o que vai acontecer? Típico pensamento-nada-a-ver: sossega, o que vai acontecer acontecerá. Relaxa, baby, e flui: barquinho na correnteza, Deus dará."

09 julho 2009

Por inteiro

na intensidade
na intensa
idade
na ida
de lá.

Proximidades

O coração de alguém não pode ser medido apenas pelo punho fechado de uma de nossas mãos. Ele se estende para além. Experimentei apoiar delicadamente a minha mão direita no peito, lado esquerdo. Em muito tempo eu não o ouvia borbulhar lá dentro. Respirar já não tornarva-me suficientemente grande, e agora sei que para tudo aquilo que fez com que eu me guardasse em silêncio profundo, houve uma explicação. Hoje moldei em um retrato a matéria na qual sou feita. Meu coração bateu para fora de minhas roupas de inverno, e num compasso desregrado com a chuva apaziguante que ouço cair lá fora, fez-se um clarão límpido e silencioso em minha intensa peregrinação pelo maior. Encontrei aquilo que havia procurado. E foi em ti que pensei.

19 junho 2009

Galáxias - Haroldo de Campos




e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso
e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa
não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever
mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a escritura para
começar com a escritura para acabarcomeçar com a escritura por isso
recomeço por isso arremeço por isso teço escrever sobre escrever é
o futuro do escrever sobrescrevo sobrescravo em milumanoites miluma-
páginas ou uma página em uma noite que é o mesmo noites e páginas
mesmam ensimesmam onde o fim é o comêço onde escrever sobre o escrever
é não escrever sobre não escrever e por isso começo descomeço pelo
descomêço desconheço e me teço um livro onde tudo seja fortuito e
forçoso um livro onde tudo seja não esteja um umbigodomundolivro
um umbigodolivromundo um livro de viagem onde a viagem seja o livro
o ser do livro é a viagem por isso começo pois a viagem é o comêço
e volto e revolto pois na volta recomeço reconheço remeço um livro
é o conteúdo do livro e cada página de um livro é o conteúdo do livro
e cada linha de uma página e cada palavra de uma linha é o conteúdo
da palavra da linha da página do livro um livro ensaia o livro
todo livro é um livro de ensaio de ensaios do livro por isso o fim-
comêço começa e fina recomeça e refina e se afina o fim no funil do
comêço afunila o comêço no fuzil do fim no fim do fim recomeça o
recomêço refina o refino do fum e onde fina começa e se apressa e
regressa e retece há milumaestórias na mínima unha de estória por
isso não conto por isso não canto por isso a nãoestória me desconta
ou me descanta o avesso da estória que pode ser escória que pode
ser cárie que pode ser estória tudo depende da hora tudo depende
da glória tudo depende de embora e nada e néris e reles e nemnada
de nada e nures de néris de reles de ralo de raro e nacos de necas
e nanjas de nullus e nures de nenhures e nesgas de nulla res e
nenhumzinho de nemnada nunca pode ser tudo pode ser todo pode ser total
tudossomado todo somassuma de tudo suma somatória do assomo do assombro
e aqui me meço e começo e me projeto eco do comêço eco do eco de um
começo em eco no soco de um comêço em eco no oco de um soco
no osso e aqui ou além ou aquém ou láacolá ou em toda parte ou em
nenhuma parte ou mais além ou menos aquém ou mais adiante ou menos atrás
ou avante ou paravante ou à ré ou a raso ou a rés começo re começo
rés começo raso começo que a unha-de-fome da estória não me come
não me consome não me doma não me redoma pois no osso do comêço só
conheço o osso o osso buço do comêço a bossa do comêço onde é viagem
onde a viagem é maravilha de tornaviagem é tornassol viagem de maravilha
onde a migalha a maravilha a apara é maravilha é vanilla é vigília
é cintila de centelha é favilha de fábula é lumínula de nada e descanto
a fábula e desconto as fadas e conto as favas pois começo a fala

15 junho 2009

apenas sair daqui

ando saudosa. junto meus trapinhos e ruídos, deposito tudo em uma caixinha de música quebrada. minha bailarina está sem par, chorando pela condenação de dançar suavemente até surtir a pena de alguém. não sinto pena de mim mesma, mas acabo dançando para que a bailarina não se sinta sozinha. estou sozinha. dançarei eu tão suavemente a ponto que me fechem em minha caixinha?

14 junho 2009

deixa soprar let it be
deixa soprar let it
deixa soprar let
deixa soprar
deixa só pra
deixa só
dei
chá

01 junho 2009

De profundis








Estamos prostrados, inúteis, em frente à janela mais próxima. O tempo disparou feito fuga iminente. Assim, disparado, nos transpassa em vultos densos e agonia peculiar.
Não vemos agora um ao outro; um outro de nós mesmos avançou no lugar.
O silêncio atribui-se a nós em uma pálida melancolia. Silenciosos, somos severamente menos interessantes ao voltarmos para a casa onde os espaços perdem-se no meio de nossos momentos desperdiçados. Definhamos.
Calamos olhares que outrora misturaram-se ao desespero constrangedor de não poder gritar - no escuro - nossas falsas inquietações.

21 maio 2009

(Quase amor)

Eu poderia ceder e te esperar todas as noites. Eu poderia dizer com menos palavras e mais presenças que te esperei por toda a noite. Meu amor, eu poderia amar-te e compreender-te à moda antiga, na sacada, enquanto servimos de banquete ao céu da madrugada. Eu poderia chorar os teus lamentos e varrer os meus lamentos pra debaixo dos teus momentos de não querer e, assim, sentir que sou em ti. Eu poderia descansar os meus cabelos molhados e a minha nuca cansada em teu peito, só pra ouvir o teu coração bater bater bater e acreditar, em profundo silêncio, que é por mim & a mim e dormir. De relance, eu poderia partir.
Mas já não cedo, não espero, não digo, não amo, não compreendo, não choro, não varro, não sinto, não descanso e não durmo. Parto.
Não tardo em deixar-me ir.



02 maio 2009

Noite in vitro

Pela janela, observo
O senhor e seus dois companheiros
De caminhada notívaga
Arrastada nos chinelos velhos.

Também é velho
Ele, em cujas mãos pesam
Sacolas cheias de
Sonhos empoeirados; enquanto

O cachorro de lá
Balança o rabo, feliz
Levado pela inércia de
Não saber para onde está indo.

Jaz a noite, enfim,
De calmo frescor e poucos ruídos
Que não os desses passos
Tão explícitos.




30 abril 2009

Que livro eu sou?


Teste encontrado no blog Trecos&Trapos da Dani (acessem! é ótimo) sobre "Qual livro você é"
Na falta de inspiração, eis que...

Resultado:

"Antologia poética", de Carlos Drummond de Andrade

"O primeiro amor passou / O segundo amor passou / O terceiro amor passou / Mas o coração continua". Estes versos tocam você, pois você também observa a vida poeticamente. E não são só os sentimentos que te inspiram. Pequenas experiências do cotidiano – aquela moça que passa correndo com o buquê de flores, o vizinho que cantarola ao buscar o jornal na porta – emocionam você. Seu olhar é doce, mas também perspicaz.
"Antologia poética" (1962), de Drummond, um dos nossos grandes poetas, também reúne essas qualidades. Seus poemas são singelos e sagazes ao mesmo tempo, provando que não é preciso ser duro para entender as sutilezas do cotidiano...

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Pois é.


24 abril 2009

Diluir-se

Lembrou-se daquela antiga carta não enviada. Ainda estava dentro da caixinha de madeira sobre a prateleira do quarto. Abriu com cuidado, como se algo de muito delicado se alojasse ali; pegou o pedaço de papel rascunhado e fez menção de ler, mas não levou a ideia adiante. Não fará sentido, pensou. Havia decidido livrar-se do passado encaixotado quando entrou no banheiro e abriu a torneira, deixando a água escorrer vagarosamente por alguns segundos até que apoiou o papel ali e permitiu que se apagasse o que outrora havia lhe causado muita dor-dolorida e nada colorida. A mistura transformou-se em uma matéria úmida e quase nula e, por fim, esfregara as mãos para desintegrar o resto.
Ainda cedo, havia pensado em queimar a carta no latão de lixo, mas a verdade é que o cheiro faria durar o conteúdo por mais tempo. Havia apegado-se ao fim e não partilhava da ideia de unir o seu pesar à forma eterna de uma poesia: essa coisa tão infinita, pensou alto.

08 março 2009

Estória de butiá com E



O taxista entendia tudo de butiá. Perguntei tu já comeu butiá? e ele sim, sempre e eu sempre?, fiquei curiosa, além desse butiá doce que eu tinha acabado de comer, só conhecia o butiazeiro da minha casa de infância, do interior, aquele que a gente enfeitava com um milhão de luzinhas de Natal pra toda a cidade ver nesse época do ano.
Daí eu contei que há pouco tinha comido um butiá muito doce e que aquele gosto que eu ainda sentia na boca não era parecido com o gosto dos butiás que eu comia do pé da minha casa, mas que, de certa forma, trazia uma sensação de nostalgia inocentemente feliz.
Eu tava feliz.
Eu sorri quando o cara se virou pra conversar comigo sobre butiás e sobre onde eu poderia encontrá-los.
Eu devia ter mudado a rota daquela corrida e dito pra ele pegar a estrada pra Maquiné.

E se for só bom?

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Tirei a calça que apertava a minha barriga e resolvi lavar o rosto no tanque, com sabão mesmo. Enquanto lavava, tentei enxergar o meu reflexo na torneira, queria saber se me lavava direito, se minha cara não iria ficar borrada de rímel e com uma aparência meio cadavérica. Eu odiaria isso.
Sequei meu rosto no pano de prato da cozinha e me procurei ver novamente, mas dessa vez na chaleira que estava no fogão. Ela já tinha muitos anos e talvez por isso estivesse toda riscada e gasta de tantos reflexos produzidos. Não pude olhar a mim mesma em nenhum utensílio da cozinha. Nada parecia querer me refletir. Foi quando eu percebi que aquilo que eu buscava não era a minha própria imagem refletida em algum objeto de inox. Eu queria outra coisa. Algo que não poderia ser tão simples sentir; algo que não era como esse gole de água gelada que eu acabei de engolir.

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03 março 2009

Instantâneas - II

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Insone



Só o que me dá sono

É esse não-dormir
Que pesa sob meus olhos
No dia seguinte


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Cíntia Perin, em uma noite qualquer

Instantâneas - I

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Caduco

"Minha vida
Passou tanto tempo
Sem finais felizes
Que hoje
Quando recebi um
Pelo correio
A data do carimbo
Era de antes
De eu ter nascido"

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Augusto Bier, no livro de poesias "Serenata para uma janela fechada"

01 março 2009

Macarrão ao molho sugo para dois


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A mesa antiga de madeira entregava ser de uma estirpe pomposa e sobre ela debruçava-se uma toalha de pano grossa, mais vermelha do que qualquer outra cor, com motivos culturalmente italianos que escondiam os anos que servia a milhares de turistas que já sentaram ali.
Paramos perto das duas da tarde para almoçar. Era um restaurante aconchegante e com muitas pessoas; panelas e salames pendurados no balcão principal. Eu gostava disso. Não dos salames, mas da atmosfera étnica que então me transportava levemente àquelas refeições gigantes com todos os membros da família que conseguíamos encontrar pela cidade.
Atrás de nossa mesa pude reparar que dois homens conversavam a respeito de algum assunto político. Um deles estava fora de minha visão, bem atrás de P, que sentava à minha frente. O outro, aparentemente mais velho expunha uma barba e cabelos compridos, brancos, muito brancos. Esse vezenquando falava em francês e tinha uma aparência recém saída de um abrigo para moradores de rua. Por momentos, eu e P fazíamos silêncio e tentávamos entender algumas de suas ideias. A conversa claramente estava interessante, visto que os dois homens mostravam-se exasperados em expor suas opiniões. O senhor que eu não conseguia enxergar muito bem, por vezes pronunciava-se em espanhol - julguei que seria para que seu companheiro de mesa o entendesse melhor.
Ali, naquele restaurante peculiar, rodeado por diversas culturas que não as nossas, eu senti que nos unimos em uma fórmula que poderia dar certo. A comida assemelhava-se a de minha avó materna.
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deixa.me verme deixa ver.
de chá
verde











*colaboração: ricardo alves

19 fevereiro 2009

A última refeição


Ultimamente tenho passado alguns momentos observando-o, analisando meticulosamente sua personalidade. Parece-me que uma espécie de cortina nebulosa - outrora cintilante - desfez-se em fronte a meus olhos, dando lugar a uma fina névoa e a um descaso sorrateiro. Outra noite, durante a janta, sentei-me longe da mesa e fitei seus modos ao comer. A perna esquerda dobrada sobre a cadeira e aquele cabelo molhado penteado para trás esboçavam uma imagem e um corpo que há muito deixei de admirar com tesão. Apoiei os talheres, fingindo bebericar um gole de vinho e o flagrei arrecadando alguns míseros grãos de arroz que caíram do prato e levando-os até a boca com as mãos; aquele ar de dúvida sempre presente num olhar pela metade, a um passo de tornar-se obsoleto com suas ideias de transformação: sempre espreitava para engolir o início de alguma conversa alheia, mesmo sabendo que os de sua volta não o queriam mais ali.

Eu não estava naquela mesa durante o jantar, mas de alguma forma comecei a sentir-me da mesma maneira.

14 fevereiro 2009

Fragmentos from myself : 2007 - e era bom

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flor bela

espanca



as minhas primaveras,


Florbela.

12 fevereiro 2009

Fragmentos

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O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano.


Maiakovski

09 fevereiro 2009

E a parede

'

- Os que se arriscam em criar alguma história, a contam mais ou menos assim...:

Havia acordado de uma noite mal dormida - dessas que enrugam nossos cantos dos olhos antes do tempo - fazendo manha, birra, querendo encostar a barriga pesada no colchão velho por mais um tempo; quando, de mansinho, foi entrando uma espécie de som-não-identificado por algum buraco na parede que, até então, ela não sabia que existia. Abriu os olhos vagarosamente, não deu muita importância mas começou a levantar pelas beiradas da cama, engatinhando pelos lençóis até aquele ruído que vinha não se sabe de onde. De quatro, na cama, ela apertou o olho esquerdo e fixou o direito num pequeno orifício entre um quadro e a janela, tentando enxergar algo com aquela visão embaçada e confusa de um amanhecer um tanto quanto conturbado. Não via nada; ou melhor, um horizonte branco onde pensara ser o quarto dos fundos, que faz divisa com o seu através dessa parede. Nem sombras, nem formas, nem vozes: aquela música alienígena (pensou) propagava-se agora em alta escala e a fazia balançar a cabeça de leve, ritmada, entregue àquela situação inusitadamente deliciosa. Não viu mal em levantar correndo, tropeçar nos sapatos largados no chão na noite anterior, abrir a porta do quarto em busca de um porrete ou algo parecido. Encontrou um martelo nunca antes usado. Bateu com força repetidamente na parede, na ânsia de que a música acabasse antes que ela pudesse senti-la mais de perto e seu corpo imerso naquela realidade leitosa onde ninguém poderia vê-la nem tocá-la.
Das batidas surgiu um espaço grande o suficiente para que ela caísse pra dentro. E assim o fez, destemida, encorajada por um tipo de melodia até hoje indecifrável. O som continuara por mais um tempo até que o buraco na parede desaparecera sem deixar vestígios.

'

03 fevereiro 2009

pó de ser

ser de ti o corpo
sê de mim a alma,
se é de nós o
ama do que
seja amor calado.

31 janeiro 2009

O dia em que matei minha família

Houve uma vez
em que o desespero era medido
na intensidade da chuva espessa.
Espaços de tempo obsoletos,
garfadas ao molho vermelho:
inspiração.
Respirou, enveredou, subitamente
empilhou pás e tesouras.
Na calçada onde as gotas prendiam-se nas árvores
insistentes em molhar nossos cabelos,
lá do topo
ouviu-se junto ao próximo relâmpago
gritos abafados e golpes certeiros.

Dois gatos imóveis.

30 janeiro 2009

Intérprete

Já sentados dentro da sala de cinema, ele começa a analisá-la discretamente, de soslaio, como um predador que não entrega suas intenções abruptamente à vítima mais próxima.
Aparentemente imersa nos trailers intermináveis que passavam na grande tela, ela fingia não notar estar sendo dissecada visulamente por alguém da poltrona ao lado.
Sentada a sua esquerda, rapidamente ela ergue as pernas para cima, dobrando-as rente ao corpo, sandálias no chão e segurando firme os pés para esquentá-los; está agora em posição que indica um alguém fechado a qualquer possível artimanha de Marcos. Desligam as luzes.

O filme começa e ela se dá conta de que não estava mais tão interessada em fingir-se de desinteressada ou numa apatia inerente àquele tipo de comportamento que por vezes tentava emergir. Afinal, juntos formavam uma ótima dupla, apreciadores mútuos de suas próprias companhias, hedonistas inquestionáveis e amantes do silêncio acolhedor após uma derradeira risada.

No transcorrer dos diálogos daquela sala gelada e afundados naquelas poltronas estofadas, persistiam travessões inquietos em sua consciência feminina. Tantas vezes flagrou-se avaliando a situação na qual se encontrava de modo a abandonar prévios receios, tendo decidido sair da sessão com as pernas um pouco menos apertadas ao corpo - esse já acalorado - e na ânsia de tê-lo um pouco mais perto do que já o permitia, talvez conseguindo até ouvir a sua respiração intensa enquanto alguma mensagem de afeto entrava pelo ouvido direito, fazendo-a cerrar os olhos e palpitar mais forte o coração, sentindo-se um pouco tola, desajeitada, mas esboçando um frágil sorriso de escanteio enquanto sentia suas bochechas corarem tanto que poderiam deixar as luzes apagadas por mais uns instantes.

03 janeiro 2009

Pela noite

"Tanto faz. Um cara aí, que importa? Que importam os cartões ou todas as cartas de amor do mundo? Se eu ia mesmo em julho. Bem, você vê, julho está nas portas e eu não fui. Você está me vendo aqui onde estou? Tanto quanto estou me vendo ali no espelho? Pois é, eu não estou em Paris."

Caio Fernando Abreu

Que venham os (l)touros

Subi as escadas, três andares, uma porta aberta e a sala de estar arrumada, como eu nunca havia deixado antes. Tudo vazio, cheiro de pó, carpete cor-de-nada e uma confortável sensação de estar em casa. A cama: lençol e edredon. Uma dádiva. Sono profundo, sem sonhos. Não lembraria de qualquer forma. Talvez fosse melhor lembrar dos sonhos do que das recordações malditas que pairam na minha consciência, essa um pouco deturbada devido à passagem de tempo e à impotência gananciosa de saber que não estará em minhas mãos agir.
Um ano morre, outro nasce. Colados, um segundo de diferença apenas me separam da maior abdução terrestre. Não queria estar em mim. Uma vida sem meu eu por uns meses. Poderia voltar depois. Morte parcial, tecidos reconstituídos. Grande baboseira. No final eu sei que vou sofrer as consequências como um cão. Mais uma dose de drama, por favor!

Porcelain

Teceria alguns comentários a respeito do que fica após a perda. Não somos únicos, nós, que julgamos não saber lidar com aquilo que restou. De fato, não nos imaginamos vivendo em boeiros fétidos trocando miúdos com um par de ratos logo ao lado. De restos vivem eles, os outros.
Assim jurou crer por anos. Mas os mesmos logo passaram e nem sempre os acompanhamos.

A esperança do bem-estar após um longo período de choro constituía, agora, o seu último sopro de manter-se em pé, um pouco torto, caminhando meio de lado, já diria Leminski, um homem que sofre sempre tem um quê de sofisticação. Não importam as intenções, os contudos e as vias expressas; um imaginário aberto à mutilação do mundo era o seu pior inimigo. E bem sabia que travaria uma luta a seguir.

Uma ou duas vezes pensara sobre o amor. E sobre a falta dele, debruçara-se nos lençóis vazios: duas pernas e apenas um coração. Anatomia falha. Sentia que a falta o completava, pois a perda o fizera menor, minúsculo, ridículo.

Precisava respirar. Há tempos não lembrava de soprar o próprio ar com veemência. Desde que partiu, tudo fora obsoleto, matéria escassa, coisa-alguma.

Na parede, fotografias e um calendário. Sempre soube que