28 outubro 2008

Meios

Há o A e o Z, e isso nada tem a ver com começos e finais.

Inevitavelmente, o A e o Z não devem se encontrar. Possivelmente nem saibam da existência um do outro. Incrivelmente embarcam em uma mesma linha contínua, a mesma.

Sorrateiramente ocupam um espaço enorme, o mesmo, onde só há lugar para o A ou o Z. Inevitavelmente eles não devem se encontrar.

Acontece que o A criou o parágrafo. E o Z quer dar continuidade. Mal sabe o Z, que o fim lhe pertence, não o meio. E ao A, só lhe resta abrir a porta e esperar a banda passar. Uma vez dado o pontapé, o lugar nunca pára de doer.

E assim foi, por um longo tempo entre o A e o Z. Que não sabiam de si ou de um elo que os ligava. Mas a conexão era explícita, vista de fora e de lado.

Enquanto o Z abusava de tentativas condensadas em ideais afirmados, o A olhava para fora da janela, sem prestar atenção.

Um dia, fora surpreendido com uma nova paisagem. E não agradou os sentidos. Fez menção de buscar o que havia lhe faltado, mas já era sabido por todos os lugares que o A havia perdido para sempre aquele jogo infinito de trilhar um caminho até o ponto final que, infelizmente, fixara morada por detrás do domínio de Z.



14 outubro 2008

Lançamento 104 que contam!

Clique em cima da imagem para obter maiores informações:

06 outubro 2008

Chuva ácida


Não é que você pensa em pular do prédio ou enfiar a cabeça raspada no forno do fogão – nem isso poderia, não compra gás há doze dias e seu prédio definitivamente atinge pequenos andares acima do solo – não. Vezenquando bate aquela sensação tempestuosa como a de uma chuva que cai incessantemente na cidade e você acaba por entrar naquele clima: deixa-se cair no chão e chora. Contribui para molhar os fiapos do tapete repleto de cinzas dos cigarros que você deixou de fumar há três semanas.

O problema é quando você obrigatoriamente é surpreendido pela finura da porta de casa e ouve algum vizinho tagarela descendo a escada contando no telefone celular que passou o feriado ao lado “daquela-pessoa-que-você-sabe-né-não-poderia-ser-mais-perfeita” e todos os requintes de crueldade que constituem uma vida feliz de um ser humano que, por ventura, não é você.

Até costuma sair do apartamento pra buscar algum prendedor que caiu na área comum de serviço, onde ainda tem a mania de pegar as peças de vestuário feminino que despencam dos varais lá de cima. Patética atitude refletida da solitária idéia de ter sido deixado de lado pela mulher que fazia seu peito revirar em nós – de início, bons, muito bons – mas que não suportou o cheiro de insegurança e arrepio em multidões que você constantemente exalava.

Talvez procurasse algum amigo, alguma trepada infalível, mas que diabos. Nada era por si tão atrativo quanto olhar por aquela janela imunda do quarto de hóspedes e ver quantas folhas secas eram atingidas pelas ferozes gotas do temporal, ao caírem na grama.

Outro dia você recebeu a carta de aviso do corte de luz. Pro inferno com tanta burocracia. Que me tirem a visão da noite, se se importam tanto, pensou enraivecido enquanto procurava pela gaveta do criado-mudo os comprimidos para dormir. Talvez amanhã eu nem precise mais transitar entre a claridade do dia e o sombrio anúncio da noite, regurgitou enquanto engolia quatro deles em um gole de suco de caju.