29 abril 2008

Das formas de dizer adeus

Em mais uma passagem por aquele cidade desconhecida ela fora para a casa dele. Não era o sexo ou o carinho que lhe fazia sentir ansiedade, eram as mentiras doces.
Doces deletérios que a faziam viajar centenas de quilômetros e que geravam oxigênio suficiente para aguentar meses de exploração em seu trabalho sem sentido.
Mais uma vez, ela estava diante do tapete torto em frente àquela porta. Não precisava nunca bater, ele a deixa entreaberta. E sai.
Ela parte, então, para mais uma tentativa desesperada de fazer valer a pena. O quê exatamente, não sabe. Talvez nem ele. Havia muito que longas conversas e olhares cortando a multidão se foram. Presenciavam suas ausências frente a frente, unidos no melhor abraço, na posição ideal de pegar no sono. Não era o sexo nem o carinho: como gostaria de entender o que a fazia viajar assim! Tanto tempo de espera naquele ônibus, mal acomodada, mal parando pra não pensar nele.
Estava lá. Ele prepara uma bebida, talvez acenderia um cigarro não fosse a repentina falta deles. Propõe uma descida até o armazém que ainda está aberto aquela hora. Lá embaixo o ar era úmido e três ou quatro bêbados ainda marchavam pela avenida. Do alto de um prédio antigo, ouvia-se o som da valsa que ele pôs em seu quarto encontro com ela. Não foi brega nem nada. Ela gostava dele.
Um silêncio ameaçador pairou no ar que então se transformou em gélido e escorreu por entre as mãos dos dois. Decidiram sentar em um degrau; em um prédio. Algo definitivamente acontecera. Ele a olhou decidido a passar o braço livre do cigarro pela metade ao redor de sua cintura; ela vacila, mas concorda. Incertezas e cigarros. A fumaça que faz votos de ficar rondando o ar dos dois é densa e não incomoda.
Passara das três. Alguém decidiu parar e mijar no muro em frente. Nem notaram. Seguiram a noite.
Houve o tempo em que não
mais se soube que algum dia, dois sentaram ali.

21 abril 2008

Procura-se

*
Você vai até a sacada da sala, olha o bairro em volta e percebe como há luzes acesas nos prédios vizinhos. A noite começa fria e úmida e de repente você nota que as janelas em frente estão escancaradas e que há cortinas novas presas nos cantos. E um quadro que antes não estava ali.
Vê o vizinho do 202 sentado no muro em frente ao portão do edifício e, em uma tentativa de estabelecer contato com outra pessoa, puxa qualquer papo, mas não é bem sucedido. Você não está a fim de papo. Sua cabeça está andando de um lado para o outro nas possíveis camadas de assuntos que tem de resolver.
O cigarro é deixado pela metade no cinzeiro rachado. Dessa forma, você vai se dando conta do número de coisas que deixa por fazer, quando repentinamente é assolado por uma forte dor de estômago que lhe embaça a visão e te faz cair de bruços no sofá. Ela passa, mas você continua ali.
Você resolve ler antigas cartas de amigos e amores na busca de permanecer vivo. Existir não é o bastante e você, mais do que ninguém, sabe disso.
Os últimos dias que amendrontaram você com dúvidas e tristezas, corroeram um pouco suas expectativas de seguir com projetos-embriões e está aí a chave para o sim ou para o não. Você começa a arquitetar planos de fuga em um raio de 3 centímetros mas as vozes que o convidam para ficar, o convencem de que não é hora de fazê-lo.
Então você pára. Sente que perdeu alguma linha de raciocínio com tanta desilusão e falta do que fazer, e sofre por isso. Mas você sabe que as tentativas de conversas com vizinhos irão tentar tirá-lo de seu vazio momentâneo, e tenta com unhadas e palavras de baixo calão agregar-se a uma realidade que não lhe é imposta simplesmente.
Você chora por não conseguir ser o que gostaria e descobre que, na verdade, é o que sempre foi ou o que quis ser. Nada mais que isso. A inércia nunca foi sua aliada e por isso você nada no aquário sem peixes e procura ver as horas em um relógio sem pilhas.
No tempo, você enxerga um inimigo silencioso e corrosivo. Arma a mesa e a toalha verde e tenta dar as cartas em meio à fumaça do charuto que queima empestiando o ambiente.
Você muda a disposição da sala, do quarto, joga fora velhos discos e assite a filmes do século passado. Mas não encontra o que precisa.
Dá-se corda no alto-falante e discursa para uma pequena quantidade de pessoas que a muito custo, tentam captar ume meia dúzia de palavras que você diz - quando ne verdade, queria gritar mais alto do que suas cordas vocais são capazes de suportar.
Você queria perder algo em troca de um benefício eterno e, no entano, encharca o lençol com lágrimas mal curadas e feridas descascadas antes do tempo.
Você desce os degraus de sua sanidade e percebe que por pouco, não há volta. O retorno ao cerne da questão está cada vez mais difícil e você não sabe mais para onde está indo.
Em meio ao chão borbulhento e movediço em que seus pés descalços pisam, você descobre um pedaço de papel e anota toda e qualquer coisa que lhe passa pela cabeça.
Está assim há mais de três dias e ainda nem notou que as luzes de seu bairro já se apagaram e que não há mais vozes lá fora que estão dispostas a lhe ouvir.

19 abril 2008

Diluir-se

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ah... que saudades de mim mesma.

16 abril 2008

Con(to)fissões

O papel rabiscado às pressas e algumas gotas


secas


avermelhadas no tapete da sala me entregam. Vejo

vocês
lá.

02 abril 2008

Quando o Novo Cruza os Braços

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Sempre achara vazio pensar como se fosse outro alguém. Um a mais, não a menos. Mas de soma duvidosa, sem forma nem cor. E das cores, precisava muitíssimo. Cada qual preenchendo suas lacunas adversas e confusas, de outrora.
Servira chá. Adicionara uma colher de açúcar, falta ele. Falta. Espaços. Muito ar pra respirar e pouco pulmão para fazê-lo. Já não mais sabia de metade das coisas que aprendera, como é fácil deixar-se perder para o inesperado, pensara. Aflita e só. Muitos deles; rodas vivas. Falta.
Hesitara uma, duas. Três vezes e já perdera o rumo. Da mão direita, deixara cair um pedaço de papel rabiscado: onde estivera, guia escasso.
Aguardam-na na sala de estar. Nunca estivera tão fora de casa como desta vez. Na ausência de palavras, encontra Clarice. Deixara por sua conta todo o resto...

"(...) A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.
(...)"
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.
.
Algo mais escapara. Terá ela astúcia de perceber para onde deve seguir? "Tanto faz", respondera.
Então o
fizera.
"Lucy ya no duerme en casa...dónde está?"
Fito lo disse.