21 abril 2008

Procura-se

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Você vai até a sacada da sala, olha o bairro em volta e percebe como há luzes acesas nos prédios vizinhos. A noite começa fria e úmida e de repente você nota que as janelas em frente estão escancaradas e que há cortinas novas presas nos cantos. E um quadro que antes não estava ali.
Vê o vizinho do 202 sentado no muro em frente ao portão do edifício e, em uma tentativa de estabelecer contato com outra pessoa, puxa qualquer papo, mas não é bem sucedido. Você não está a fim de papo. Sua cabeça está andando de um lado para o outro nas possíveis camadas de assuntos que tem de resolver.
O cigarro é deixado pela metade no cinzeiro rachado. Dessa forma, você vai se dando conta do número de coisas que deixa por fazer, quando repentinamente é assolado por uma forte dor de estômago que lhe embaça a visão e te faz cair de bruços no sofá. Ela passa, mas você continua ali.
Você resolve ler antigas cartas de amigos e amores na busca de permanecer vivo. Existir não é o bastante e você, mais do que ninguém, sabe disso.
Os últimos dias que amendrontaram você com dúvidas e tristezas, corroeram um pouco suas expectativas de seguir com projetos-embriões e está aí a chave para o sim ou para o não. Você começa a arquitetar planos de fuga em um raio de 3 centímetros mas as vozes que o convidam para ficar, o convencem de que não é hora de fazê-lo.
Então você pára. Sente que perdeu alguma linha de raciocínio com tanta desilusão e falta do que fazer, e sofre por isso. Mas você sabe que as tentativas de conversas com vizinhos irão tentar tirá-lo de seu vazio momentâneo, e tenta com unhadas e palavras de baixo calão agregar-se a uma realidade que não lhe é imposta simplesmente.
Você chora por não conseguir ser o que gostaria e descobre que, na verdade, é o que sempre foi ou o que quis ser. Nada mais que isso. A inércia nunca foi sua aliada e por isso você nada no aquário sem peixes e procura ver as horas em um relógio sem pilhas.
No tempo, você enxerga um inimigo silencioso e corrosivo. Arma a mesa e a toalha verde e tenta dar as cartas em meio à fumaça do charuto que queima empestiando o ambiente.
Você muda a disposição da sala, do quarto, joga fora velhos discos e assite a filmes do século passado. Mas não encontra o que precisa.
Dá-se corda no alto-falante e discursa para uma pequena quantidade de pessoas que a muito custo, tentam captar ume meia dúzia de palavras que você diz - quando ne verdade, queria gritar mais alto do que suas cordas vocais são capazes de suportar.
Você queria perder algo em troca de um benefício eterno e, no entano, encharca o lençol com lágrimas mal curadas e feridas descascadas antes do tempo.
Você desce os degraus de sua sanidade e percebe que por pouco, não há volta. O retorno ao cerne da questão está cada vez mais difícil e você não sabe mais para onde está indo.
Em meio ao chão borbulhento e movediço em que seus pés descalços pisam, você descobre um pedaço de papel e anota toda e qualquer coisa que lhe passa pela cabeça.
Está assim há mais de três dias e ainda nem notou que as luzes de seu bairro já se apagaram e que não há mais vozes lá fora que estão dispostas a lhe ouvir.

Um comentário:

carilevi disse...

ooooooooie!
fazia tempo que ate eu nao me visitava tb! eheh
tudo na boa aqui! correria e pints! uma delicia! =)