08 março 2009

Estória de butiá com E



O taxista entendia tudo de butiá. Perguntei tu já comeu butiá? e ele sim, sempre e eu sempre?, fiquei curiosa, além desse butiá doce que eu tinha acabado de comer, só conhecia o butiazeiro da minha casa de infância, do interior, aquele que a gente enfeitava com um milhão de luzinhas de Natal pra toda a cidade ver nesse época do ano.
Daí eu contei que há pouco tinha comido um butiá muito doce e que aquele gosto que eu ainda sentia na boca não era parecido com o gosto dos butiás que eu comia do pé da minha casa, mas que, de certa forma, trazia uma sensação de nostalgia inocentemente feliz.
Eu tava feliz.
Eu sorri quando o cara se virou pra conversar comigo sobre butiás e sobre onde eu poderia encontrá-los.
Eu devia ter mudado a rota daquela corrida e dito pra ele pegar a estrada pra Maquiné.

E se for só bom?

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Tirei a calça que apertava a minha barriga e resolvi lavar o rosto no tanque, com sabão mesmo. Enquanto lavava, tentei enxergar o meu reflexo na torneira, queria saber se me lavava direito, se minha cara não iria ficar borrada de rímel e com uma aparência meio cadavérica. Eu odiaria isso.
Sequei meu rosto no pano de prato da cozinha e me procurei ver novamente, mas dessa vez na chaleira que estava no fogão. Ela já tinha muitos anos e talvez por isso estivesse toda riscada e gasta de tantos reflexos produzidos. Não pude olhar a mim mesma em nenhum utensílio da cozinha. Nada parecia querer me refletir. Foi quando eu percebi que aquilo que eu buscava não era a minha própria imagem refletida em algum objeto de inox. Eu queria outra coisa. Algo que não poderia ser tão simples sentir; algo que não era como esse gole de água gelada que eu acabei de engolir.

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03 março 2009

Instantâneas - II

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Insone



Só o que me dá sono

É esse não-dormir
Que pesa sob meus olhos
No dia seguinte


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Cíntia Perin, em uma noite qualquer

Instantâneas - I

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Caduco

"Minha vida
Passou tanto tempo
Sem finais felizes
Que hoje
Quando recebi um
Pelo correio
A data do carimbo
Era de antes
De eu ter nascido"

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Augusto Bier, no livro de poesias "Serenata para uma janela fechada"

01 março 2009

Macarrão ao molho sugo para dois


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A mesa antiga de madeira entregava ser de uma estirpe pomposa e sobre ela debruçava-se uma toalha de pano grossa, mais vermelha do que qualquer outra cor, com motivos culturalmente italianos que escondiam os anos que servia a milhares de turistas que já sentaram ali.
Paramos perto das duas da tarde para almoçar. Era um restaurante aconchegante e com muitas pessoas; panelas e salames pendurados no balcão principal. Eu gostava disso. Não dos salames, mas da atmosfera étnica que então me transportava levemente àquelas refeições gigantes com todos os membros da família que conseguíamos encontrar pela cidade.
Atrás de nossa mesa pude reparar que dois homens conversavam a respeito de algum assunto político. Um deles estava fora de minha visão, bem atrás de P, que sentava à minha frente. O outro, aparentemente mais velho expunha uma barba e cabelos compridos, brancos, muito brancos. Esse vezenquando falava em francês e tinha uma aparência recém saída de um abrigo para moradores de rua. Por momentos, eu e P fazíamos silêncio e tentávamos entender algumas de suas ideias. A conversa claramente estava interessante, visto que os dois homens mostravam-se exasperados em expor suas opiniões. O senhor que eu não conseguia enxergar muito bem, por vezes pronunciava-se em espanhol - julguei que seria para que seu companheiro de mesa o entendesse melhor.
Ali, naquele restaurante peculiar, rodeado por diversas culturas que não as nossas, eu senti que nos unimos em uma fórmula que poderia dar certo. A comida assemelhava-se a de minha avó materna.
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deixa.me verme deixa ver.
de chá
verde











*colaboração: ricardo alves