15 dezembro 2008

Ser

Deu-se conta de que não estava bem quando por descuido, olhou-se no espelho e esquecera da própria imagem. Como um errante, passara tempo demais dentro de alguma floresta, sem reflexos ou algo que o fizesse lembrar-se de si.
Já havia duvidado daquela barba espessa que agora tomava conta de boa parte de seu rosto e os cabelos cresciam como trevos de quatro folhas, trepadeiras, inço.
O episódio do espelho o fez parar e admirar-se. Não que estaria gostando do que refletia agora, em primeira instância logo ali na sua frente, mas de um todo, sabia quem era aquele que o perseguia no olhar: ele-pessoa; ele-mesmo.

Logo, sua mesmice deixou de ser notada e ele passou a viver em sociedade como um outro qualquer, menor, que não precisava mais fazer alguma diferença dentre os demais de sua espécie.
Aprendera a respirar o mesmo ar que outros tantos como ele e, quando da ânsia de sentir-se sufocado, olhou em volta e encarou tudo até o brilho de realidade molhar suas pálpebras e fazê-lo cambalear, caindo em algum solo compartilhado.

Ali, sentiu-se único. Esquecera a vida toda que também era uma pessoa e que, enquanto pessoa, decepcionara-se consigo e com os demais, pois é isso que pessoas fazem, é assim que pessoas se comportam em meio ao potencial extremo de serem piedosas e auto-suficientes. Naquele momento, percebera que era mais um e não poderia errar em sua unicidade por muito mais tempo.

Largou a toalha do banho sobre a cama, vestiu-se e tapou os olhos com a mão ao sentir que a luz do sol já tocava a sua pele quando resolveu sair do quarto.