11 julho 2010

Poema Homeopático Sinestésico

.

o que fazer
[como fazer]
pensar
não sentir nada
mudar
sem se importar
que venha
[venham]
em múltiplos
nos lençóis
outros, insólitos
rasteiros
nos balcões
apoiados, em pé
a pé
te abraço
[o cheiro]
a distância
salta - grita - afunda
não importa

pensamentos
não existem
se os compartilhamos

[encerrou-se a permanência]

acordo
no gelo
o escuro
do quarto
a Luz
já faz manhã
nua
na saliva o conhaque alcatrão o desejo
meus ossos
tua mão
o peso

os passos a mais
o chão, mas que chão
encontro
não o mesmo
a pressa
há pressa nos cantos
imundos
da noite e o meu colo
teus cabelos
escutando as veias pulsarem o gozo
[respiro]
sinto e exalo a lembrança de minhas cobertas
os fios e o aroma
em casa
acaso
entregue
uma volta, a chave
não batem na porta
se não o coveiro
carrega meu corpo
já nu
embora

o asfalto quente e molhado
e teu semblante da sacada
o terceiro andar
avista
virando os olhos já baixos e a lágrima
escorrida
me levam
sou distância, passageira
as folhas que seguem
o bafo e o carburador
os vizinhos que não conheço
[nem os últimos]

a nossa história inventada
lida em meu nome
sou flor
espinhos
[o sangue azedo]
despetala-me
embaixo da cama cresci
a terra, a virgem e a balança
todas debaixo do mesmo sol
corre livre o centauro
peito aberto, flecha ao infinito
envenenam-me os atalhos mesquinhos

os lençóis de linhos
os nós
o teatro
entre eles e os meninos
oprimidos
Boalenses
dramaturgos expressores expressivos exprimidos
inventores malditos
desta busca-vida
engolidos
queimando sob o sol, o mesmo de antes
o vermelho na pele e o toque áspero
[constatação]

era toda a primavera no chão
as flores e o escorregão das senhoras
o ferro retorcido dos balanços
a falta de olho o nheco nheco
altura do voo
menino-impulsão
os pés descalços na areia os vermes
gatos e cães
miscelânea do bairro
do alto as janelas
translúcidas
travestidas de domingo
sentam-se todos à mesa
do corredor e o ouvido
tilintar dos talheres
o asco do frango
a cebola cozida
lembrança de mãe
[a melancolia]

navego
em web
em susto
me abrem
e pulam
são as janelas
windows
a palavra que não é daqui
estapafúrdia é a palavra
enfadonho
ensimesmar-se
em si
em cima
o mar

e se fosse
só bom?
num futuro
qualquer
talvez
não mais

é o vento que carrega consigo
a mocidade e a cor
[homeopatia sinestésica]
o barulho leva embora a nossa solidão
doses maiores de silêncio
minha velhice

atiro no escuro
[coração]
sou cara
sabida
entranhas
doadas em cheiro e cor
meu olhar
calado
nos dias que passam diferentes
amanhã
não teremos mais pressa
pelos cantos

olhe o céu
vibrando no ar
[esperança]
o perdão antecipado
carona pra casa, precipício
meus delírios escondidos
no eco
lá embaixo
alguém
inventou essa história
imensa
intensa
idade
na ida
de lá

[o retorno]
e os fogos
o calor
à lenha
o chiado
e os velhos se amam
na varanda e na cadeira
as violetas a enfeitar
o chão que já é de flor
em azulejos mascarados

felpudas mantas cobertas nas camas
onde se esconde a loucura de um homem
o encontro tão esperado
o antes
e o que está
por vir
residência do Louco
o desespero ao nosso grito
caluniado
por detrás das portas as transas
de cinco minutos
o beijo na testa
cada vez mais raro
afogaram-nos em tristezas coletivas
apreendidas nas vistas
[em frente]
a medida do punho fechado
e o coração insone
desregrado
cai em pálpebras
no dia seguinte

não vemos mais
uns aos outros
uns outros
de nós mesmos
avançaram no lugar
[reação]
inquietos olhares
outrora calaram nossas falsas inquietações
misturadas ao silêncio constrangedor
de não poder gritar
no escuro
as falas
pálidas
sorrateiras

[o reencontro]
à soleira
da porta
as despedidas
permanecem
entre o A e o Z
uma pessoa
disfarça-se ao espelho
insistente
em tornar a sua imagem
reflexo de si mesma
na maré cheia
aliada
à Lua que míngua
meus cabelos escassos
aguados de tinta
enosados
tentativa errônea
de passá-los
pelos dedos:

entre os nossos
nós
só encontramos
a nós
mesmos.



Poema de minha autoria, declamado no Sarau de Poesia da Palavraria, em 26/06/2010.