06 outubro 2008

Chuva ácida


Não é que você pensa em pular do prédio ou enfiar a cabeça raspada no forno do fogão – nem isso poderia, não compra gás há doze dias e seu prédio definitivamente atinge pequenos andares acima do solo – não. Vezenquando bate aquela sensação tempestuosa como a de uma chuva que cai incessantemente na cidade e você acaba por entrar naquele clima: deixa-se cair no chão e chora. Contribui para molhar os fiapos do tapete repleto de cinzas dos cigarros que você deixou de fumar há três semanas.

O problema é quando você obrigatoriamente é surpreendido pela finura da porta de casa e ouve algum vizinho tagarela descendo a escada contando no telefone celular que passou o feriado ao lado “daquela-pessoa-que-você-sabe-né-não-poderia-ser-mais-perfeita” e todos os requintes de crueldade que constituem uma vida feliz de um ser humano que, por ventura, não é você.

Até costuma sair do apartamento pra buscar algum prendedor que caiu na área comum de serviço, onde ainda tem a mania de pegar as peças de vestuário feminino que despencam dos varais lá de cima. Patética atitude refletida da solitária idéia de ter sido deixado de lado pela mulher que fazia seu peito revirar em nós – de início, bons, muito bons – mas que não suportou o cheiro de insegurança e arrepio em multidões que você constantemente exalava.

Talvez procurasse algum amigo, alguma trepada infalível, mas que diabos. Nada era por si tão atrativo quanto olhar por aquela janela imunda do quarto de hóspedes e ver quantas folhas secas eram atingidas pelas ferozes gotas do temporal, ao caírem na grama.

Outro dia você recebeu a carta de aviso do corte de luz. Pro inferno com tanta burocracia. Que me tirem a visão da noite, se se importam tanto, pensou enraivecido enquanto procurava pela gaveta do criado-mudo os comprimidos para dormir. Talvez amanhã eu nem precise mais transitar entre a claridade do dia e o sombrio anúncio da noite, regurgitou enquanto engolia quatro deles em um gole de suco de caju.

Um comentário:

alice disse...

ai.
acho que esse cara é amigo do Arturo Bandini (John Fante, Pergunte ao pó).