19 fevereiro 2009

A última refeição


Ultimamente tenho passado alguns momentos observando-o, analisando meticulosamente sua personalidade. Parece-me que uma espécie de cortina nebulosa - outrora cintilante - desfez-se em fronte a meus olhos, dando lugar a uma fina névoa e a um descaso sorrateiro. Outra noite, durante a janta, sentei-me longe da mesa e fitei seus modos ao comer. A perna esquerda dobrada sobre a cadeira e aquele cabelo molhado penteado para trás esboçavam uma imagem e um corpo que há muito deixei de admirar com tesão. Apoiei os talheres, fingindo bebericar um gole de vinho e o flagrei arrecadando alguns míseros grãos de arroz que caíram do prato e levando-os até a boca com as mãos; aquele ar de dúvida sempre presente num olhar pela metade, a um passo de tornar-se obsoleto com suas ideias de transformação: sempre espreitava para engolir o início de alguma conversa alheia, mesmo sabendo que os de sua volta não o queriam mais ali.

Eu não estava naquela mesa durante o jantar, mas de alguma forma comecei a sentir-me da mesma maneira.

2 comentários:

Pedro Lunaris disse...

e então quero saber mais da cortina. da névoa, do cintilar aparentemente não mais ali. dessa certa opacidade.

dessa abertura a sentir-se tragado pelo não-lugar de um outro tornado seu. quem sabe se é isso, meu Deus! quem sabe ser isso...

há uma sorte, no entanto. que cada cortina que cai, mesmo que seja para ver a névoa... é algo menos a frente. e mesmo que a cor cintile pouco, tanto melhor, quando se chega lá. porque admirar é criar uma barreira. e mesmo que a opacidade engolfe numa certa hora, então, depois...

depois aprende-se a fechar os olhos. não para criar outra barreira, mas para que se perceba... que se perceba que a beleza da névoa não está no mesmo olhar que a cortina encantava, mas no saborear da pele à umidade que abraça.

e então... então, cada vez menos as coisas escapam. aos olhos, inclusive.

todos somos sem lugares, acho.

mas esse é um lugar lindo.

saudades!

alice disse...

livro de contos. publique-os.