11 maio 2013

Texto e martírio: a produção textual pré-adolescente


     Escrever supõe tomar decisões acerca do que será escrito. Como irá escrever, quais letras serão empregadas, que símbolos são associáveis a uma ideia, e demais fatores, são elementos diferenciais que qualquer usuário de uma língua, ao transpô-la ao texto escrito, terá de lidar
    O processo da escrita se dá de forma lenta, sendo necessário organizar as letras de maneira coerente e revisar o que foi escrito. Ainda, lidar com as diferenciações dos signos entre si, e saber excluir o que não deve ser utilizado. Com o tempo, este processo torna-se automatizado, implicando economia de memória, o que simplifica a tarefa, tornando o ato da escrita uma atividade rápida. Mas antes que haja essa automatização muitas pessoas sofrem com a tarefa de reproduzir de forma clara e coerente, em texto, uma ideia. É o caso da maioria dos alunos matriculados nas redes de ensino do país.
    Este ensaio tem por finalidade expor as maiores dificuldades em termos de escrita, encontradas em uma turma da sétima série do Ensino Fundamental, analisada durante estágio de prática de ensino de Língua Portuguesa.
    Atribuir um caráter dificultoso à prática de escrita é por si só problemático, porém real. Seria natural adolescentes entre 13 e 15 anos de idade não serem ainda capazes de unir ideias a uma forma específica, criando um texto próprio que expresse algum tipo de ideia já formada? A dificuldade da escrita estaria inerente a esta prática? Entendemos por inerente aquilo que está inseparavelmente ligado a alguma coisa ou pessoa. Admitir esta relação entre a criação de textos e alunos jovens seria por demais pessimista, ainda que válido, em alguns aspectos, para corroborar tal especulação.
    O que se observou foi que a turma em questão, da sétima série, encarava aulas de redação como um desafio tão grande que era melhor não cumpri-lo devidamente. Não foi constatado um determinado tipo de aluno que expressava maior interesse em leitura e/ou em prática de escrita. Nas redações propostas, o que se observou foi a falta de concentração na tarefa de reproduzir uma ideia através do texto escrito. A fuga ao tema era uma constante, sendo os textos produzidos pelos alunos frequentemente um reflexo do que lhes vinha à mente no momento da escrita. Imaginação não lhes faltava, talvez faltasse estímulo e um pouco de vontade própria em driblar os lugares-comuns textuais e a pressa em livrar-se de um exercício, a fim de criarem uma narrativa coesa e coerente, que fizesse sentido tanto para o aluno que a escreveu, como para mim, professora estagiária, que solicitei a tarefa ansiando por um determinado resultado.
    Um aluno adolescendo está em fase de transição, preocupa-se com áreas bem diversas e afastadas do campo da leitura, pelo menos é o que se pode dizer dos jovens da turma analisada em questão. Ler e escrever textos ainda configura-se como um ato distante de suas realidades, pois exige um tempo pelo qual eles não estão dispostos a usar, salvo em assuntos pessoais. 
   A cada produção textual dos alunos, os textos eram devolvidos a eles, corrigidos, e contavam sempre com anotações e marcações minhas a respeito do que era preciso melhorar, prestando mais atenção e cuidado (ex.: parágrafo, acentuação, pontuação, ordenação de ideias etc.), mas pouco se viu de resultado nisso, pois os alunos não se interessavam nos recados ou nas dicas escritas no quadro, eventualmente, em outras aulas, a fim de melhorarem suas escritas, alertando para erros comuns a todos da turma.
   Em determinada aula, foi destacado o fato de que praticamente 100% dos alunos escrevia “de repente” de maneira incorreta: derepente. Ao alertá-los, foi ensinada a forma correta e o porquê de serem duas palavras escritas separadamente. Em textos futuros destes mesmos alunos, o que se notou foi um índice de queda de erros em relação à grafia destas palavras, porém muitos não assimilaram a explicação devidamente, continuando a escrever “derepente” em suas redações e demais exercícios que exigiam a produção escrita. Não houve, por parte deles, um interesse maior em entender o que se estava lendo, e reproduzir isso, em forma de texto, corretamente. Os jovens da sétima série analisada não creditavam valor às práticas de escrita, consideradas um verdadeiro martírio àqueles que estavam sem inspiração para elaborar uma história que se relacionasse com a temática, proposta sempre antes de iniciar a tarefa.
    Outro aspecto relevante a ser destacado é o da motivação e o de instigar o aluno a pensar a respeito do que vai escrever. Possuindo tempo suficiente, o discente poderia concentrar-se, elaborar uma história, relacionando-a com o que foi solicitado, escrever um rascunho, e, posteriormente, já revisando seu trabalho, passá-lo a limpo para ser entregue à professora. Infelizmente, não há estímulo por parte dos adolescentes em produzir um texto nestes moldes, pelo menos não foi o constatado durante a prática de ensino. Pouquíssimos revisavam o que escreviam, contudo alguns até solicitavam a outros colegas que lessem para si, dando opiniões, antes de entregá-lo pronto.
Poucos alunos atinham-se aos temas e às normas, pensando serem gramaticalmente válidos textos escritos em linguagem popular, quase a mesma usada para falar algo. Muitas vezes foi chamada a atenção para a diferença entre a língua falada e a língua escrita, e quando era possível ou não utilizá-las. É importante introduzir aos alunos, desde cedo, a compreensão da variação linguística como fator que auxilia no entendimento do uso da língua.
    A influência da oralidade na redação dos alunos também destaca-se aqui, já que a grande maioria transcrevia as palavras da maneira como as falava. Os obstáculos mais evidentes nas redações analisadas foram ortografia, sintaxe e níveis de coesão e coerência, chegando a um nível de “oralidade” nos textos escritos maior do que o esperado para jovens já com capacidade de assimilar leituras e palavras corretas.
Todavia, para estimular os alunos, é preciso corrigir seus erros gramaticais, mas, também, ensiná-los como evitar certos “deslizes” no uso da língua, não somente apontar o que de errado continua-se fazendo, mesmo com orientações anteriores. É importante passar ao aluno a ideia da língua como um elemento cultural necessário para a comunicação entre os povos, arraigado por normas e técnicas de cada região, mas passível de sofrer adaptações e mudanças ao longo do tempo, de acordo com o seu uso.
      Faz-se necessário alertar que a maior crítica do ensino de línguas ocorre por parte do grupo docente, sempre em relação à falta de interesse de seu grupo de alunos, ocasionando um enorme desgaste na profissão de lecionar, fator este também relacionado à falta de condições necessárias para o ensino e salários que não suprem as necessidades dos profissionais, culminando, muitas vezes, em uma sobrecarga de trabalho. Estes são fatores que estão paralisando professores em todo o país, os impedindo de colocar em prática aquilo que aprenderam em seus cursos superiores, e frustrando expectativas básicas de um profissional em início de carreira, que já prefere “estacionar” seu conhecimento inovador ao deparar-se com as dificuldades presentes na profissão, desestimulando tanto a si mesmo quanto aos próprios alunos, afetados por aulas repetitivas, onde o ensino da norma culta da língua vem antes de qualquer outro aspecto.
    Teoria semelhante a estas queixas é encontrada em Fernandéz (1994), que destaca a reclamação como “lubrificante da máquina inibitória do pensamento”, usada por muitos professores para descrever ou fazer uma análise que supostamente corresponderia à de suas realidades. Contudo, o problema “consiste na crença equivocada de que se está usando o juízo crítico, de que se está pensando ou analisando a situação, quando somente se está convalidando a situação”, ou seja, a crítica pode ser entendida aqui como elemento que imobiliza o sujeito, ao invés de ajudá-lo.
   É preciso compreender se o comportamento dos alunos é simplesmente falta de interesse ou se há razões maiores por detrás de atitudes de jovens que não se comportam de maneira satisfatória, atraindo para si lacunas de conhecimento, ocasionadas também pelo ensino ordinário nas escolas brasileiras. Para tanto, precisa-se evitar que esta realidade em que se encontram docentes e discentes torne-se um discurso de outrem, sempre passível de arrecadar mais um atuante, tornando-se o tema de um tema. Na concepção de Bakhtin (1997), este discurso ocorre ad nauseam (argumento por repetição), estando dissociado de seu contexto narrativo, de sua origem e fim, e até mesmo do lugar no qual cabe sua transmissão.
    A frequência em uma escola, lecionando Língua Portuguesa a uma turma da sétima série, fez crescer o meu interesse na rede de ensino público do país - não destacado anteriormente neste ensaio, mas que deve ser considerado no entendimento de uma rotina de sala de aula.
   Reunindo diversos perfis de alunos, desde os mais problemáticos em se tratando de personalidade, situação financeira da família, e relacionamento com os demais colegas, um colégio mantido com verbas públicas apresenta-se muitas vezes como a única alternativa desses estudantes em busca de um futuro melhor e de uma posição social, de acordo com nossos costumes. Atrair a problemática do ensino para as discussões entre pais, mestres e afins é de vital importância para que se continue pensando em como educar melhor nossos alunos.
    Através da experiência de análise e leitura constante de produções textuais dos alunos, do amadurecimento de linguagem e de suas próprias vidas, foi possível sentir até que ponto nossos conhecimentos teóricos são aplicáveis dentro da sala de aula. Não há como pensar em formação de professores sem antes permitir o contato entre o então aluno universitário com seu novo grupo de discentes. É um período de aprendizado e ensinamento, e não é possível imaginar o que ocorre com os alunos de determinada série escolar sem antes ter estado em uma sala de aula.
   Também é relevante ressaltar que os erros na escrita dos alunos estão se automatizando.       Com as facilidades proporcionadas pelos inventos da tecnologia, o exercício de praticar um texto está cada vez mais distante da realidade dos jovens, que, através da Internet e da banalização dos programas televisivos,  entram em contato desde muito cedo com fórmulas prontas e bitoladas de cultura. Primordialmente, isso os afasta muito do grande aliado de um bom escritor: o livro. Não há melhor método de ensino de escrita do que o de indicar boas leituras. Através do hábito de ler, o aluno adquire conhecimento de mundo, de linguagem e mais do que isso, de vocabulário.
   Em suma, quanto mais automatizado o erro estiver na escrita do aluno, mais difícil torna-se a sua reversão, e mais complicada fica a assimilação da forma correta. A investigação desses casos durante o processo de aprendizagem de crianças e adolescentes torna-se assunto sério para os novos educadores, que precisam avaliar constantemente seus alunos na busca de um novo patamar de entendimento de língua materna, transformando teorias universitárias em práticas de ensino possíveis.

Ensaio escrito em 2011, durante estágio obrigatório de prática de ensino para conclusão do curso de Licenciatura em Letras.

Um comentário:

Carol'cut disse...

Por onde vc anda??
Sou sua fã! Procurei vc no fb, mas não encontrei.....