Escrever supõe tomar decisões acerca do que será escrito. Como irá escrever, quais letras serão empregadas, que símbolos são associáveis a uma ideia, e demais fatores, são elementos diferenciais que qualquer usuário de uma língua, ao transpô-la ao texto escrito, terá de lidar
O processo da
escrita se dá de forma lenta, sendo necessário organizar as letras de maneira
coerente e revisar o que foi escrito. Ainda, lidar com as diferenciações dos
signos entre si, e saber excluir o que não deve ser utilizado. Com o tempo,
este processo torna-se automatizado, implicando economia de memória, o que
simplifica a tarefa, tornando o ato da escrita uma atividade rápida. Mas antes
que haja essa automatização muitas pessoas sofrem com a tarefa de reproduzir de
forma clara e coerente, em texto, uma ideia. É o caso da maioria dos alunos
matriculados nas redes de ensino do país.
Este ensaio
tem por finalidade expor as maiores dificuldades em termos de escrita,
encontradas em uma turma da sétima série do Ensino Fundamental, analisada
durante estágio de prática de ensino de Língua Portuguesa.
Atribuir um
caráter dificultoso à prática de escrita é por si só problemático, porém real.
Seria natural adolescentes entre 13 e 15 anos de idade não serem ainda capazes
de unir ideias a uma forma específica, criando um texto próprio que expresse
algum tipo de ideia já formada? A dificuldade da escrita estaria inerente a
esta prática? Entendemos por inerente
aquilo que está inseparavelmente ligado a alguma coisa ou pessoa. Admitir esta relação
entre a criação de textos e alunos jovens seria por demais pessimista, ainda
que válido, em alguns aspectos, para corroborar tal especulação.
O que
se observou foi que a turma em questão, da sétima série, encarava aulas de
redação como um desafio tão grande que era melhor não cumpri-lo devidamente.
Não foi constatado um determinado tipo de aluno que expressava maior interesse
em leitura e/ou em prática de escrita. Nas redações propostas, o que se
observou foi a falta de concentração na tarefa de reproduzir uma ideia através
do texto escrito. A fuga ao tema era uma constante, sendo os textos produzidos
pelos alunos frequentemente um reflexo do que lhes vinha à mente no momento da
escrita. Imaginação não lhes faltava, talvez faltasse estímulo e um pouco de
vontade própria em driblar os lugares-comuns textuais e a pressa em livrar-se
de um exercício, a fim de criarem uma narrativa coesa e coerente, que fizesse
sentido tanto para o aluno que a escreveu, como para mim, professora
estagiária, que solicitei a tarefa ansiando por um determinado resultado.
A cada produção textual dos alunos, os textos eram
devolvidos a eles, corrigidos, e contavam sempre com anotações e marcações
minhas a respeito do que era preciso melhorar, prestando mais atenção e cuidado
(ex.: parágrafo, acentuação, pontuação, ordenação de ideias etc.), mas pouco se
viu de resultado nisso, pois os alunos não se interessavam nos recados ou nas
dicas escritas no quadro, eventualmente, em outras aulas, a fim de melhorarem
suas escritas, alertando para erros comuns a todos da turma.
Em determinada aula, foi destacado o fato de que
praticamente 100% dos alunos escrevia “de repente” de maneira incorreta: derepente. Ao alertá-los, foi ensinada a
forma correta e o porquê de serem duas palavras escritas separadamente. Em
textos futuros destes mesmos alunos, o que se notou foi um índice de queda de
erros em relação à grafia destas palavras, porém muitos não assimilaram a
explicação devidamente, continuando a escrever “derepente” em suas redações e
demais exercícios que exigiam a produção escrita. Não houve, por parte deles,
um interesse maior em entender o que se estava lendo, e reproduzir isso, em
forma de texto, corretamente. Os jovens da sétima série analisada não
creditavam valor às práticas de escrita, consideradas um verdadeiro martírio
àqueles que estavam sem inspiração para elaborar uma história que se
relacionasse com a temática, proposta sempre antes de iniciar a tarefa.
Outro aspecto relevante a ser destacado é o da
motivação e o de instigar o aluno a pensar a respeito do que vai escrever.
Possuindo tempo suficiente, o discente poderia concentrar-se, elaborar uma
história, relacionando-a com o que foi solicitado, escrever um rascunho, e,
posteriormente, já revisando seu trabalho, passá-lo a limpo para ser entregue à
professora. Infelizmente, não há estímulo por parte dos adolescentes em
produzir um texto nestes moldes, pelo menos não foi o constatado durante a
prática de ensino. Pouquíssimos revisavam o que escreviam, contudo alguns até
solicitavam a outros colegas que lessem para si, dando opiniões, antes de
entregá-lo pronto.
Poucos alunos atinham-se aos temas e às normas,
pensando serem gramaticalmente válidos textos escritos em linguagem popular,
quase a mesma usada para falar algo.
Muitas vezes foi chamada a atenção para a diferença entre a língua falada e a
língua escrita, e quando era possível ou não utilizá-las. É importante introduzir
aos alunos, desde cedo, a compreensão da variação linguística como fator que
auxilia no entendimento do uso da língua.
A influência da oralidade na redação dos alunos
também destaca-se aqui, já que a grande maioria transcrevia as palavras da maneira
como as falava. Os obstáculos mais evidentes nas redações analisadas foram
ortografia, sintaxe e níveis de coesão e coerência, chegando a um nível de
“oralidade” nos textos escritos maior do que o esperado para jovens já com
capacidade de assimilar leituras e palavras corretas.
Todavia, para estimular os alunos, é preciso
corrigir seus erros gramaticais, mas, também, ensiná-los como evitar certos
“deslizes” no uso da língua, não somente apontar o que de errado continua-se
fazendo, mesmo com orientações anteriores. É importante passar ao aluno a ideia
da língua como um elemento cultural necessário para a comunicação entre os
povos, arraigado por normas e técnicas de cada região, mas passível de sofrer
adaptações e mudanças ao longo do tempo, de acordo com o seu uso.
Teoria semelhante a estas queixas é encontrada em
Fernandéz (1994), que destaca a reclamação como “lubrificante da máquina
inibitória do pensamento”, usada por muitos professores para descrever ou fazer
uma análise que supostamente corresponderia à de suas realidades. Contudo, o
problema “consiste na crença equivocada de que se está usando o juízo crítico,
de que se está pensando ou analisando a situação, quando somente se está
convalidando a situação”, ou seja, a crítica pode ser entendida aqui como
elemento que imobiliza o sujeito, ao invés de ajudá-lo.
É preciso compreender se o comportamento dos alunos
é simplesmente falta de interesse ou se há razões maiores por detrás de
atitudes de jovens que não se comportam de maneira satisfatória, atraindo para
si lacunas de conhecimento, ocasionadas também pelo ensino ordinário nas
escolas brasileiras. Para tanto, precisa-se evitar que esta realidade em que se
encontram docentes e discentes torne-se um discurso de outrem, sempre passível de arrecadar mais um atuante, tornando-se o
tema de um tema. Na concepção de Bakhtin (1997), este discurso ocorre ad nauseam (argumento por repetição),
estando dissociado de seu contexto narrativo, de sua origem e fim, e até mesmo
do lugar no qual cabe sua transmissão.
Reunindo diversos perfis de alunos, desde os mais
problemáticos em se tratando de personalidade, situação financeira da família,
e relacionamento com os demais colegas, um colégio mantido com verbas públicas
apresenta-se muitas vezes como a única alternativa desses estudantes em busca
de um futuro melhor e de uma posição social, de acordo com nossos costumes.
Atrair a problemática do ensino para as discussões entre pais, mestres e afins
é de vital importância para que se continue pensando em como educar melhor
nossos alunos.
Através da experiência de análise e leitura
constante de produções textuais dos alunos, do amadurecimento de linguagem e de
suas próprias vidas, foi possível sentir até que ponto nossos conhecimentos
teóricos são aplicáveis dentro da sala de aula. Não há como pensar em formação
de professores sem antes permitir o contato entre o então aluno universitário
com seu novo grupo de discentes. É um período de aprendizado e ensinamento, e
não é possível imaginar o que ocorre com os alunos de determinada série escolar
sem antes ter estado em uma sala de aula.
Também é relevante ressaltar que os erros na
escrita dos alunos estão se automatizando. Com as facilidades proporcionadas
pelos inventos da tecnologia, o exercício de praticar um texto está cada vez
mais distante da realidade dos jovens, que, através da Internet e da
banalização dos programas televisivos,
entram em contato desde muito cedo com fórmulas prontas e bitoladas de
cultura. Primordialmente, isso os afasta muito do grande aliado de um bom
escritor: o livro. Não há melhor método de ensino de escrita do que o de
indicar boas leituras. Através do hábito de ler, o aluno adquire conhecimento
de mundo, de linguagem e mais do que isso, de vocabulário.
Em suma, quanto mais automatizado o erro estiver na
escrita do aluno, mais difícil torna-se a sua reversão, e mais complicada fica
a assimilação da forma correta. A investigação desses casos durante o processo
de aprendizagem de crianças e adolescentes torna-se assunto sério para os novos
educadores, que precisam avaliar constantemente seus alunos na busca de um novo
patamar de entendimento de língua materna, transformando teorias universitárias
em práticas de ensino possíveis.
Ensaio escrito em 2011, durante estágio obrigatório de prática de ensino para conclusão do curso de Licenciatura em Letras.