19 fevereiro 2009

A última refeição


Ultimamente tenho passado alguns momentos observando-o, analisando meticulosamente sua personalidade. Parece-me que uma espécie de cortina nebulosa - outrora cintilante - desfez-se em fronte a meus olhos, dando lugar a uma fina névoa e a um descaso sorrateiro. Outra noite, durante a janta, sentei-me longe da mesa e fitei seus modos ao comer. A perna esquerda dobrada sobre a cadeira e aquele cabelo molhado penteado para trás esboçavam uma imagem e um corpo que há muito deixei de admirar com tesão. Apoiei os talheres, fingindo bebericar um gole de vinho e o flagrei arrecadando alguns míseros grãos de arroz que caíram do prato e levando-os até a boca com as mãos; aquele ar de dúvida sempre presente num olhar pela metade, a um passo de tornar-se obsoleto com suas ideias de transformação: sempre espreitava para engolir o início de alguma conversa alheia, mesmo sabendo que os de sua volta não o queriam mais ali.

Eu não estava naquela mesa durante o jantar, mas de alguma forma comecei a sentir-me da mesma maneira.

14 fevereiro 2009

Fragmentos from myself : 2007 - e era bom

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flor bela

espanca



as minhas primaveras,


Florbela.

12 fevereiro 2009

Fragmentos

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O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano.


Maiakovski

09 fevereiro 2009

E a parede

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- Os que se arriscam em criar alguma história, a contam mais ou menos assim...:

Havia acordado de uma noite mal dormida - dessas que enrugam nossos cantos dos olhos antes do tempo - fazendo manha, birra, querendo encostar a barriga pesada no colchão velho por mais um tempo; quando, de mansinho, foi entrando uma espécie de som-não-identificado por algum buraco na parede que, até então, ela não sabia que existia. Abriu os olhos vagarosamente, não deu muita importância mas começou a levantar pelas beiradas da cama, engatinhando pelos lençóis até aquele ruído que vinha não se sabe de onde. De quatro, na cama, ela apertou o olho esquerdo e fixou o direito num pequeno orifício entre um quadro e a janela, tentando enxergar algo com aquela visão embaçada e confusa de um amanhecer um tanto quanto conturbado. Não via nada; ou melhor, um horizonte branco onde pensara ser o quarto dos fundos, que faz divisa com o seu através dessa parede. Nem sombras, nem formas, nem vozes: aquela música alienígena (pensou) propagava-se agora em alta escala e a fazia balançar a cabeça de leve, ritmada, entregue àquela situação inusitadamente deliciosa. Não viu mal em levantar correndo, tropeçar nos sapatos largados no chão na noite anterior, abrir a porta do quarto em busca de um porrete ou algo parecido. Encontrou um martelo nunca antes usado. Bateu com força repetidamente na parede, na ânsia de que a música acabasse antes que ela pudesse senti-la mais de perto e seu corpo imerso naquela realidade leitosa onde ninguém poderia vê-la nem tocá-la.
Das batidas surgiu um espaço grande o suficiente para que ela caísse pra dentro. E assim o fez, destemida, encorajada por um tipo de melodia até hoje indecifrável. O som continuara por mais um tempo até que o buraco na parede desaparecera sem deixar vestígios.

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03 fevereiro 2009

pó de ser

ser de ti o corpo
sê de mim a alma,
se é de nós o
ama do que
seja amor calado.